PERMACULTURA

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quarta-feira, 26 de março de 2008

TRAVESSIA

Escrito por Frei Betto
24-Mar-2008
Publicado no site Correio da Cidadania

Quem ainda brinca de criança no domingo de Páscoa e esconde ovos de chocolate no jardim? Resta em nós uma perene idade da inocência. A ternura denuncia a veracidade do amor, sublinha Milan Kundera. Recôndito no qual evocamos, nostálgicos, as missas de domingo, as procissões sob andores cercados de velas, o toque salvífico da água benta, o silêncio acolhedor de igrejas que o gótico não teve vergonha de desenhar como vulvas estilizadas.



Jesus ressuscitou! - celebra esta festa de aleluias. Ainda que a razão não alcance a dimensão do fato pascal, a intuição capta a crise da modernidade a nos induzir a um mundo sem mistérios e enigmas. Mundo sombrio, onde os mortos se sobrepõem aos vivos.



Até o advento do Iluminismo, a inteligência recendia a incenso. Copérnico e Galileu decifraram a harmonia da natureza como reflexo do Criador e Newton acertou seus cálculos pelos ponteiros dos relógios das catedrais. Depois, o dilúvio inundou os claustros. A razão irrompeu soberana, relegando à superstição tudo que não fosse mensurável. Então, o mistério aflorou.



De que valem perguntas quando se julga possuir todas as respostas? Voltaire e os enciclopedistas ousaram secularizar a inteligência e, mais tarde, Baudelaire e Rimbaud tatearam ávidos em busca de um Deus capaz de aplacar-lhes a sede de Absoluto. Dostoiévski revestiu-se da figura emblemática de Jesus, despiu seus monges das vestes eclesiásticas, escancarou-lhes a alma atormentada pelos demônios da dúvida.



Nietzsche roubou o fogo dos deuses e incendiou de liberdade o espírito humano. Sartre proclamou que o inferno são os outros e erigiu o absurdo da morte em ato final que destitui a vida de qualquer sentido.

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Entre angústias e utopias, o último século foi também marcado pelo enigma Jesus. Corações e mentes o acolheram como paradigma: Claudel, Simone Weil, François Mauriac, Chesterton, Péguy, Graham Greene, Alberto Schweitzer etc. No Brasil, Murilo Mendes, Sobral Pinto, Gustavo Corção, Tristão de Athayde, Hélio Pellegrino etc.



Hoje, pavores transcendentais já não atribulariam a alma poética de um William Blake. Entre tanta miséria, esvai-se o encanto. Jesus é Deus que se fez homem e, de homem, virou pão. Pai Nosso/pão nosso. Esta concretude assusta. A fé cristã não proclama a ressurreição da alma, mas "da carne". Jesus não é a figura do Olimpo grego enaltecida pela força irrepresável da literatura. É o judeu crucificado, por razões político-religiosas, na Palestina do século I e cujas aparições, como ressuscitado, contradizem as regras da ficção literária. Que autor criaria um personagem imortal com chagas nas mãos e ansioso por comida? As narrativas evangélicas são, tecnicamente, descrições de um fato objetivo. À luz da fé, proclamação de que Jesus é o Cristo.



Antes de cair em mãos da repressão que o assassinou, Jesus fez-se comida e bebida. Poeta e profeta, dominava a linguagem realista dos símbolos. Eis aqui o desafio atual à inquietude da inteligência. O pão repartido passa a ser corpo divino; o vinho partilhado, aliança feita com sangue e prenúncio da festa sem fim. O Deus de Jesus não é um velho Narciso à cata de adoradores nem um algoz irado com os pecadores. É Abba, o pai amoroso ("mais mãe do que pai", diria João Paulo I), cujo dom maior é a vida.



Já não temos as longas guerras que inquietaram espíritos como Tolstoi e Camus; o que vemos, de Bagdá a Guantánamo, é escabroso comparado à engenharia marcial dos exércitos em conflito: a estrada rumo ao futuro palmilhada de corpos degradados e famintos. Hoje, tropeça-se na rua em seres esquartejados em sua dignidade. Todos os discursos oficiais e todos os ajustes fiscais ofendem a condição humana por exaltarem a concentração do lucro e ignorarem a partilha da vida. Em sua hipocrisia, o sistema salva sua aura cristã e exclui o pão. A metafísica monetarista estabiliza moedas e desestabiliza famílias; reduz a inflação e aumenta a miséria; socorre bancos e multiplica o desemprego; abraça o mercado e despreza o direito à vida - e vida em abundância, para todos.



Agora, a globalização despolitiza, o esoterismo desculpabiliza e o consumismo individualiza. Livres de ideologias messiânicas, de culpas aterrorizadoras e de altruísmo coletivo, estamos à deriva neste início de século, cujas pitonisas proclamam que "a história acabou."



Páscoa é travessia - também para uma ética política, que torne o pão acessível a cada boca e o vinho alegria em cada alma. Somos nós que, em vida, precisamos ressuscitar as potencialidades do espírito, premissas e promessas de uma verdadeira dignidade humana. Num misto de Marcel Proust e Caçador da Arca Perdida, necessitamos urgentemente empreender a busca da consciência perdida, onde a solidária indignação contra as injustiças tenha cheiro de Madeleines apetitosas. Caso contrário, seremos engolidos por esses simulacros de pirâmides - os shopping centers - que sequer têm estrutura para contar à posteridade quão grande foi a pobreza de espírito de uma geração que tinha, como suprema ambição, meia dúzia de engenhocas eletrônicas.



Frei Betto é escritor, autor de "Treze contos diabólicos e um angélico" (Planeta), entre outros livros.

quinta-feira, 13 de março de 2008

mais de 12 milhões de brasileiros vivem em condições inadequadas de moradia

BRASIL DE FATO
por jpereira — Última modificação 13/03/2008 18:05
Pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole aponta que 14% da população com cidades até 150 mil habitantes moram em favelas ou em situação precária

13/03/2008
da Redação Agência Fapesp
Mais de 12 milhões de brasileiros vivem em assentamentos precários nos cerca de 560 municípios brasileiros com mais de 150 mil habitantes, ou localizados em regiões metropolitanas. O número, equivalente a 14% da população dessas cidades, é quase o dobro dos 6,3 milhões que moram em setores censitários classificados como subnormais pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados, revelados por uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP – para o Ministério das Cidades, foram publicados no livro Assentamentos precários no Brasil urbano, disponível para download gratuito (clique aqui).
De acordo com o coordenador do estudo Eduardo Marques, diretor do CEM, a obra permite saber a localização e o número de moradores em favelas ou em condições análogas de habitação em cada cidade ou região.
“O livro é importante para ajudar a traçar cenários para políticas habitacionais em níveis federal e municipal. O ministério tinha grandes dificuldades nessa área porque não existiam bases de informações nacionais construídas com esse objetivo”, disse Marques à Agência FAPESP.
Para o pesquisador, se o Ministério das Cidades orientasse as políticas públicas de habitação apenas aos setores classificados como subnormais pelo IBGE, muitas áreas em condições análogas, com carências sociais e infra-estrutura precária, seriam excluídas. “A classificação do IBGE tem caráter administrativo. As áreas subnormais são aqueles nas quais a coleta de dados é mais difícil e, portanto, os pesquisadores ganham um adicional. Mas é um critério anterior ao trabalho de campo e não remete às características dos locais”, afirmou.
Políticas locais
Utilizando técnicas estatísticas, uma equipe de mais de dez pesquisadores do CEM identificou, entre os setores classificados como comuns pelo IBGE, aqueles que se assemelhavam aos do tipo subnormal, segundo variáveis socioeconômicas, demográficas e de características habitacionais.
“Partimos do princípio de que a classificação do IBGE dava uma indicação correta da localização dos assentamentos precários, mas que havia outros com as mesmas características que ficaram de fora. Foram utilizados os dados do censo de 2000”, explicou Marques. A categoria de assentamentos precários inclui as favelas – nas quais os moradores se fixam em uma terra que não lhes pertence – e o loteamento clandestino ou irregular, onde o morador possui o lote, mas quem produziu o loteamento não seguiu os procedimentos da legislação.
“É difícil discriminar essas situações de precariedade habitacional. A partir de agora, esperamos que os municípios possam fazer uma delimitação mais precisa. A idéia é que, com as cartografias locais, os municípios possam organizar suas políticas locais”, destacou. De acordo com Eduardo Marques, a distribuição de grande parte dos recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) para a habitação já foi feita com base nos novos dados sobre a localização dos assentamentos precários.